Restes des Rêves
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
detalhes
Com a suave luz matinal do sol, ele acorda. Se espreguiça e, com um suspiro, vira na cama para observar aquela que está deitada ao seu lado. A delicadeza de seus cílios, a maciez de seus lábios, o belo formato de seu rosto. Tem a leve impressão de ver um sorriso enquanto a bela dormia.
Olha para si. Arranhões e marcas vermelhas de batom.
Olha em volta. Roupas jogadas com urgência no chão. Lençóis espalhados pelo quarto.
Testemunhas e, ao mesmo tempo, indícios de uma apaixonada noite de amor.
Ela acorda. Se levanta, se veste e vai embora. E lá ele fica, de volta ao vazio de sua existência. Prazeres momentâneos e descompromissados não o satisfazem como antigamente.
Volta para a cama e dorme o resto do dia.
domingo, 5 de dezembro de 2010
bonequinha de lixo
Suas joias, o brilho da sua alma.
Seu sorriso, tão verdadeiro quanto o loiro oxigenado de seus cabelos.
Com cada passo que dava, atraía olhares de inveja e admiração. Amada por todos, tinha tudo para ser feliz.
Uma vez, porém, deixou-se ser um ser humano.
Olhando fixamente para seus olhos, lentamente traçou, com as pontas dos dedos, a imagem do próprio rosto. Com todas as suas forças, tentou encontrar na moça refletida no espelho a menininha que brincava de se esconder atrás do sofá de casa. A menininha que descia as escadas correndo na manhã de Natal para ver seus presentes deixados pelo Papai Noel embaixo da árvore. A menininha que chorou quando sua amiguinha foi embora. A menininha que ajudava a professora a arrumar a sala após as aulas e que trazia flores todos os dias para a mamãe.
Não encontrou nada. Agora, via somente uma casca vazia de sentimentos. Uma boneca, linda e sem vida.
-Cuidado. Não chore, que sua maquiagem vai borrar,- disse uma das modelos.
Mas já era tarde; já havia deixado escapar uma lágrima e depois outra. Lágrimas, essas, que nem lembrava que existiam.
E, com cada lágrima que caía, mais a maquiagem saía e mais a menininha aparecia.
E a bonequinha criou vida novamente.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
desculpa para a solidão
E, com essa afirmação, de repente, tudo fez sentido. Não havia nada que a prendesse onde estava.
Estudos, talvez, que poderiam ser continuados onde quer que fosse seu novo destino. Era jovem; conseguiria um novo emprego logo.
Mas não tinha nada que realmente importasse.
E, antes que mudasse de ideia, foi embora.
Continuava sozinha, mas, morando em um novo lugar, agora tinha desculpa para a solidão.
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
imaturidade está matando a humanidade
"Não faz mal, é normal"
Faz mal, sim. É uma questão de valores.
É triste perceber que é isso que torna-os felizes. Que eles se alimentam da gozação de que os outros sofrem.
É triste perceber que, a cada dia, nossa sociedade está pior. A cada brincadeira de mal gosto, que, supostamente, "não faz mal", sinto-me mais impotente frente à massa de imaturidade que me cerca.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
crisálida
Quando olhava no espelho, porém, via uma criança no corpo de uma moça. Ou o contrário, não sabia muito bem.
Mas sabia, sim, que dentro dela havia uma borboleta pronta para sair do casulo, pronta para voar.
Se dizem que não deve-se ajudar a borboleta, é por um bom motivo. Suas intenções podem ser nobres, mas estarão a prejudicando.
Ela sente que quer sair do casulo. Mas não sabe voar.
Ela sempre será uma crisálida.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
guerra fria
Ele caminhava lentamente e com cautela pela estrada - em função da fina camada de gelo no asfalto, qualquer descuido levaria o rapaz a escorregar. Levava consigo sua mala, já atrofiada depois de tantos meses fora de casa, apoiada no ombro. Já não sentia mais seu peso.
Já não sentia mais frio. Todo esse tempo vivendo naquele mundo tão cruel, porém, fizeram dele uma pessoa extremamente fria por dentro.
Já não chorava mais.
Mas isso é necessário para assistir às cenas que teve de assistir.
E caminhava.
Já não sentia suas pernas mais. Continuava caminhando inconscientemente, com seus pés se arrastanto, involuntários, sob seu corpo.
Ele não pôde estar presente no seu aniversário.
Escreveu cartas, que nunca chegaram ao seu destino.
Depois de certo tempo, havia desistido de manter contato com a família. Tentou convencer-se de que dita família nem ao menos existia; de que eram apenas frutos de sua imaginação ou, talvez, personagens de algum dos muitos livros que havia levado, lido, relido e queimado para que suas malas pesassem menos.
Como não sabia se voltaria para casa, chegou à conclusão de que sofreria menos dessa forma.
Lembra-se bem de como era bonito o brilho do sol nos cabelos loiros da menina nesse dia. Lembra-se do mais belo e sincero sorriso já visto em uma mulher, estampado no rosto da sua no momento em que recebera as flores. Lembra-se de como eram uma linda família.
Lembra-se, mas não deixa-se lembrar.
Ofegante, bateu na porta. O dono da casa o convidou para entrar. Ofereceu chá, cobertores e roupas secas, num esforço desesperado para aquecer o pobre soldado. Seu visitante, porém, pediu apenas para usar seu telefone.
Não sabe por que mas, sem pensar, seus dedos digitaram tão naturalmente o número de telefone daquele lugar que ele havia um dia chamado de sua casa.
-Alô?
E, nesse momento, ao ouvir a voz de sua amada esposa, sentiu sua garganta fechar, ao mesmo tempo que uma tímida lágrima escorreu do canto de seu olho pela sua face gelada. Deixou-se lembrar.
Deixou-se lembrar dos rostos das pessoas que amava, de domingos no parque, de feriados na lagoa, de todos os momentos em família que havia tanto lutado para esquecer.
E, como uma reação em cadeia, inundou-se em lembranças e, com cada lembrança, veio mais uma lágrima. Lágrimas que, uma por uma, lentamente derreteram o gelo que havia-se formado ao redor de seu coração.
A guerra destrói vidas e famílias de mais maneiras do que uma só.
Agora, queria mais que tudo voltar para casa. Mas não podia. Tinha seus deveres.
Agora, lembrou o motivo pelo qual havia tentado esquecer.
Agora, ele chora, pois não queria estar lutando nessa guerra fria.
sábado, 2 de outubro de 2010
o ser humano me assombra
Às vezes, odeio o ser humano.
O ser humano possui o péssimo hábito de confundir boatos com verdades inegáveis. E quando um boato começa a se espalhar, é como se uma manada de predadores, atraída pelo cheiro do egoísmo e da má índole, se reunisse em um plano maléfico para derrubar a pobre presa de que nada sabe.
Odeio quando distorcem uma história a fim de torná-la mais dramática e atraente aos ouvidos dos espectadores, que ficam aguardando uma fofoca como se fossem urubus devorando os restos do que um dia já foi um animal de verdade. Odeio a expressão de prazer que se estampa tão claramente no rosto do ser humano quando fica sabendo de uma novidade ou, principalmente, quando repassa essa informação a outro carnívoro sanguinário, rindo como hienas que se alimentam da carcaça da pobre vítima de quem falam.
Tento defender, mas quem sou eu? Uma mera borboleta com um bom coração que acaba assistindo à cena de camarote sem nada poder fazer.
Odeio quando julgam uma boa pessoa sem a previamente conhecer.
Odeio odeio odeio.
Título retirado do livro "A Menina que Roubava Livros" de Markus Zusak.